Intensa é a palavra que resume as histórias documentadas  em “O Muro”, mostrando as barreiras invisíveis que a sociedade constrói todos os dias com seus dogmas e preconceitos, cada vez mais naturalizados. A série apresenta as contradições humanas de forma concreta nos relatos dos personagens.

Os diretores de "O Muro", ​Jack​ ​Scarpelli​ ​e​ ​Perseu​ ​Azul, comtam, em entrevista ao Blog da TV UFAM, como foi a produção da série e como o contato com os entrevistados torna a visão do "outro" mais empática.  

 Por que escolher esse tema? De onde surgiu a ideia?

O Muro é uma obra criada dentro do programa de desenvolvimento de conteúdo para TV’s públicas. Esse programa possui a especificidade de limitar a princípio quais os temas a serem abordados, tendo como intuito a construção de uma grade de programação diversa, democrática e com conteúdo crítico. O desafio, portanto, era pensar num formato e numa linguagem dentro do gênero documental apta a comunicar com o público heterogêneo da televisão e ainda assim transmitir uma mensagem construtiva.

Houve alguma experiência pessoal que incentivou a escolha?

O nosso local de fala nos coloca numa posição de privilégio em relação a muitos dos temas propostos pela série, que trata, através de seus personagens, de questões relacionadas às variadas formas de preconceitos, como racismo, homofobia, xenofobia, preconceito contra indígenas, para citar apenas alguns. Apesar de emocionalmente envolvidos como a temática exposta, não foi nossa experiência pessoal direta que nos motivou. Entramos nesse processo muito mais prontos a aprender do que a ensinar ou compartilhar algo de nossas biografias. Nesse sentido, pensamos numa estratégia documental que envolvesse uma escolha cuidadosa de personagens e mais observação e menos interferência.

Como foram as filmagens? Houve problemas? Algo marcante?

A palavra que resume qualquer etapa de produção audiovisual é intensidade. Com uma equipe reduzida, daquelas que cabem em um carro, percorremos algumas capitais do Centro-Oeste brasileiro, lidando com uma agenda relativamente apertada e o compromisso de construir a melhor relação possível com nossos personagens. A realização audiovisual é repleta de variáveis práticas que precisam de cuidados, ao mesmo tempo que demanda muito de nosso emocional. Somos afetados pelo excesso de convívio com as pessoas da equipe e pela relação dinâmica e intensa com os personagens. É um processo muito rico, que deixa um efeito de longo prazo. Essa negociação com as pessoas que aceitam fazer parte de um documentário, sem dúvida, é a parte mais marcante. É preciso negociar o seu espaço o tempo todo, é preciso exercer a empatia, saber a hora de ligar e desligar a câmera, é uma dança em que os dois precisam estar abertos pra que a filmagem funcione. E quando a dança flui, é uma delícia. Foram muitos momentos de emoção, de troca e aprendizado, mas particularmente, a oportunidade de aprender sobre o candomblé, sua história, seus orixás, dentro de um terreiro, guiados por um generoso pai de santo foi uma experiência sublime, um grande privilégio.

Como foi a escolha dos personagens? Como eles reagiram quando vocês fizeram contato?

Assim que definimos a estratégia de abordagem, esboçamos alguns perfis de pessoas que gostaríamos que fossem nossos personagens, era um ponto de partida para começar as buscas. Montamos a nossa equipe com excelentes produtoras locais nas três capitais onde decidimos filmar, no caso, Cuiabá, Goiânia e Brasilia. Com os perfis em mãos e muita sensibilidade, nossas produtoras Jack Silva, Polly Di e Julia Tolentino nos ajudaram a encontrar, por meios diversos, essas pessoas fascinantes que aceitaram se tornar personagens da série. Assim que explicamos nossas intenções e demais detalhes práticos, tivemos da maioria deles uma resposta muito positiva, já existia em cada um deles uma ânsia em compartilhar suas perspectivas e ponto de vista sobre o mundo, a relação que se seguia daí, portanto, era muito mais fluida.

Qual efeito vocês esperam que o documentário cause?

Construímos essa série documental com o intuito maior de trazer o debate sobre preconceitos para uma esfera mais íntima, mais humana, mais empática. Em que medida eu posso me reconhecer nesse “outro" com uma vivência tão diferente da minha? Talvez seja a carência desse olhar que acentue práticas preconceituosas e segregacionistas, esse “outro" não é visto como um humano, mas como algo a ser escondido, estigmatizado, corrigido e por trás de tudo isso existe uma cultura dominante que corrobora esse olhar opressor por meio de práticas institucionais e políticas, formando um ciclo não virtuoso de séculos, de uma cultura racista, por exemplo. Contribuir mesmo que de uma maneira mínima para trazer para esfera pública esse debate, para possibilitar que um discurso mais plural ecoe, pra mostrar na tela da TV brasileira outras vozes, outros discursos, outros sotaques faz todo trabalho valer a pena.

O ambiente ou as histórias ocasionaram algum efeito, alguma diferença em vocês?

Não tem como sair ileso de uma experiência como essa. Em geral estamos sempre cercados de iguais, de pessoas que compartilham a mesma origem, com os quais dividimos o mesmo sistema de crenças. Ter a oportunidade de transitar por outras vivências, de ouvir outras experiências, de conhecer novos olhares para o mundo se iguala a experiência de ser transformado por uma viagem, aqui no caso, a viagem transformadora é o outro. Para além dessa transformação interior, é natural que também nos tornemos mais sensíveis às demandas políticas, sociais e econômicas reivindicadas por nossos personagens, o olhar pra essas questões deixa de ser abstrato e passa ser concreto, pontuado pelo rosto e pela voz de cada um deles. 

Vocês imaginaram que o documentário repercutiria até o Norte do Brasil?

Sabíamos da ampla distribuição para emissoras públicas por meio desse projeto, mas saber que o documentário ecoou de alguma forma no estado do Amazonas é sem dúvida emocionante, faz nosso esforço ganhar um novo significado, traz motivação pra continuar.

Quais os planos futuros para o programa?

Sobre o futuro pretendemos ampliar as janelas de exibição da série e estudar possibilidades junto à EBC de disponibilizar o conteúdo online, para que ele possa atingir mais pessoas. 

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